quinta-feira, 3 de maio de 2012

Educação como ato militar e ostensivo

O Governador  Sergio Cabral é mesmo especialista em criar fatos que mobilizam toda a opinião pública. Essa semana a notícia da escandalosa e antiga relação dele com Fernando Cavendish - o testa de ferro de Carlinhos Cachoeira - que a imprensa insiste em dizer que é dono da Delta quando na verdade é no máximo sócio, veio acompanhada de uma notícia não menos importante. Trate-se do projeto do governo de patrulhamento dentro das escolas estaduais, neste momento o policiamento já acontece em 90 escolas mas a meta é cobrir 1300 até o fim do ano.
A secretaria de educação afirma que a medida é para impedir atos de vandalismo e violência nas escolas. Estamos falando de uma ação absurda além de dispendiosa. O estado do Rio de Janeiro segundo o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é o segundo pior estado do Brasil, só superando o Piauí na qualidade do ensino. Isso mesmo, o estado do Brasil que mais recebe investimentos de todo o tipo é o penúltimo em educação e o Governador considera a educação no Rio de janeiro um problema de segurança pública.
Não podemos naturalizar a medida do governador, temos que tentar enxergar um pouco além. Numa primeira leitura sobre a ação do governo se pode afirmar que o intuito do governador é proteger os estudantes e de quebra formalizar o bico do policial pois ele receberá além de seu salário pelo patrulhamento nas escolas, o que é um outro absurdo. Cabral deveria dar um reajuste que não empurrasse o policial para o bico privado  ou chancelado pelo poder público. Na verdade existe um outro debate mais profundo, os policiais nas escolas poderão fazer revistas e abordagens junto aos alunos, poderão proceder como fazem  em espaços públicos quando estão no patrulhamento  regular. A educação pública vai virar caso de polícia, não para quem deveria ser preso por desvio de verbas, mas para os jovens que recebem o ensino de péssima qualidade do governo do estado. 
No Rio de Janeiro o projeto de segurança de Cabral tem longo alcance, julgar a aparência das políticas de segurança pública quase sempre se mostra um equívoco. O que o governo está colocando em prática é um projeto de sociedade, de domesticação da juventude e das camadas populares. A juventude das escolas públicas não pode ter sua liberdade de aprender, viver e protestar limitada pela ação ostensiva da polícia militar. O projeto de Cabral, da elite carioca e brasileira não é de combate ao crime, é de impor mansidão aos pobres e à juventude. A educação é um ato emancipatório, libertador, de elevação do espírito humano. Paulo Freire dizia que a educação é um ato coletivo e solidário, no Rio de Janeiro  ela virou um ato militar e ostensivo.



quinta-feira, 19 de abril de 2012


Niterói quer paz: que ela não seja seletiva.


No domingo estive na manifestação por mais segurança em Niterói, era a terceira manifestação deste tipo na cidade e a segunda no bairro de São Francisco. O ato devia ter cerca de 200 pessoas, todas indignadas com a escalada de violência na cidade, a grande maioria convicta da necessidade de aumento do efetivo policial em Niterói. No microfone se revezaram moradores que sofreram algum tipo de violência nos últimos tempos e os organizadores da manifestação. Um depoimento em especial chamou atenção, foi o de um jovem que perdeu o pai num assalto há menos de um mês. É sempre difícil falar de violência e manter a racionalidade, o medo na maioria das vezes é um péssimo conselheiro.
Fiquei bastante impressionado com o discurso de alguns manifestantes, a justa reivindicação por mais policiais na cidade, que teve seu efetivo de policiais reduzido à metade, vinha acompanhado de um discurso preconceituoso que localiza a violência num estrato social e numa área geográfica definida, segundo esses manifestantes a violência em Niterói vem das favelas. Para o senso comum essa afirmação faz todo sentido, os oradores do ato trataram de dar “substância” a essa tese, “ na época da ECO 92 o Rio mandou todos os mendigos de lá para nossa cidade, com certeza depois da Copa, Niterói voltará a ser a cidade de antes e o Rio voltará a ser a meleca que sempre foi”, disse uma moradora de São Francisco.
O problema da violência em Niterói é real, o número de delitos realmente aumentou mas a resposta a esse aumento não pode ser a demagogia dos políticos e nem o clamor por política de tolerância zero. O apelo público por intolerância já começa a fazer as primeiras vítimas nas favelas da cidade, essa semana uma mulher de 48 anos faleceu em jurujuba por bala perdida. Niterói é a cidade com maior renda per capita do país, um símbolo interessante da concentração de renda no Brasil que sendo a sexta economia mundial ainda apresenta um dos piores IDHs do planeta.
Algumas opiniões curiosas se manifestam nesse movimento por segurança, uma delas é que a causa da migração dos criminosos para Niterói é a implantação das UPPs no Rio de Janeiro, a constatação é meio óbvia, quem mora em Niterói sabe disso, o curioso é a saída que dão para acabar com essa migração. A solução para essas pessoas é a implantação de UPPs em Niterói. Conclusão: Niterói pode exportar criminosos para outras cidades, outras cidades não podem exportar criminosos para Niterói. Realmente acham que Niterói é uma ilha.
Anteriormente falei que o aumento do efetivo dos policiais em Niterói por si só não é ruim, realmente acredito nisso, na verdade o fundamental nesse caso é discutir a qualidade da polícia e não a quantidade, polícia ruim é sinônimo de necessidade de efetivo grande para dar sensação de segurança, mas não resolve o problema. Será que os que clamam por mais policiais querem que essa polícia mal treinada e violenta se relacione com seus filhos na madrugada quando voltam das boas festas que Niterói sempre teve?
O Rio de Janeiro está passando por uma série de transformações, a realização dos grandes eventos e a quantidade de capital investido está trazendo uma série de debates que devem ser feitos de forma séria e sem demagogia, o alargamento do fosso social será cada vez mais evidente. O Rio de Janeiro que é o estado do Eike Batista, o 7º homem mais rico do mundo segundo a Forbes, é o mesmo estado do Morro do Bumba e do lixão do Morro do Céu que fica em Niterói, quem nunca foi lá deveria ir, você volta com outra visão de mundo e de cidade.
 A solução do problema da violência em Niterói não é estabelecer um cordão sanitário nas favelas como alguns sugerem, nem as UPPs resolverão isso, é importante debater a violência como um problema estrutural de um país concentrador de renda. As UPPs no Rio de Janeiro funcionam sob a lógica de proteção a uma área restrita da cidade e para atender aos interesses da especulação imobiliária, uma peça publicitária que se fosse realmente séria e abrangente teria em seu cálculo o aumento da violência em outros municípios da região metropolitana. Um projeto de segurança coerente tem que começar pela remuneração de seus agentes, como sabemos o Rio paga um dos piores salários do Brasil para seus policiais.
A necessidade de um debate mais profundo e estratégico não significa que o poder público não possa resolver uma boa parte do problema já nesse momento. Se Niterói e o estado do Rio de Janeiro tivessem governo, polícia militar e guarda municipal poderiam trabalhar em cooperação, o sistema de monitoramento da cidade nunca deixaria de funcionar alimentando de informações a ação policial e o alarde em torno do déficit de policiais não se transformaria em ação para holofotes e já teria sido pauta do governo há muito tempo.
O aumento do efetivo de policiais, que é necessário, não pode significar a violação de direitos da população das favelas de Niterói. A questão da segurança não pode servir para instrumentalizar discurso de ódio aos pobres ou para criar salvadores da pátria em período eleitoral. Já passou da hora dos moradores de Niterói debaterem segurança pública como instrumento fundamental de defesa da vida e não só de patrimônio, quando isso ocorrer uma vida na favela vai valer a mesma coisa que no asfalto.