Blog do Honório
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Niterói quer paz: que ela não seja seletiva.
No domingo estive na manifestação por mais segurança em Niterói, era a
terceira manifestação deste tipo na cidade e a segunda no bairro de São
Francisco. O ato devia ter cerca de 200 pessoas, todas indignadas com a
escalada de violência na cidade, a grande maioria convicta da
necessidade de aumento do efetivo policial em Niterói. No microfone se
revezaram moradores que sofreram algum tipo de violência nos últimos
tempos e os organizadores da manifestação. Um depoimento em especial chamou
atenção, foi o de um jovem que perdeu o pai num assalto há menos de um mês. É
sempre difícil falar de violência e manter a racionalidade, o medo na
maioria das vezes é um péssimo conselheiro.
Fiquei bastante impressionado com o discurso de alguns manifestantes, a
justa reivindicação por mais policiais na cidade, que teve seu efetivo de
policiais reduzido à metade, vinha acompanhado de um discurso preconceituoso
que localiza a violência num estrato social e numa área geográfica
definida, segundo esses manifestantes a violência em Niterói vem das
favelas. Para o senso comum essa afirmação faz todo sentido, os oradores do ato
trataram de dar “substância” a essa tese, “ na época da ECO 92 o Rio mandou
todos os mendigos de lá para nossa cidade, com certeza depois da Copa, Niterói
voltará a ser a cidade de antes e o Rio voltará a ser a meleca que sempre foi”,
disse uma moradora de São Francisco.
O problema da violência em Niterói é real, o número de delitos
realmente aumentou mas a resposta a esse aumento não pode ser a demagogia dos
políticos e nem o clamor por política de tolerância zero. O apelo público por intolerância já começa a fazer as
primeiras vítimas nas favelas da cidade, essa semana uma mulher de 48 anos
faleceu em jurujuba por bala perdida. Niterói é a cidade com maior
renda per capita do país, um símbolo interessante da concentração de renda no
Brasil que sendo a sexta economia mundial ainda apresenta um dos piores IDHs do
planeta.
Algumas opiniões curiosas se manifestam nesse movimento por segurança,
uma delas é que a causa da migração dos criminosos para Niterói é a implantação
das UPPs no Rio de Janeiro, a constatação é meio óbvia, quem mora em Niterói
sabe disso, o curioso é a saída que dão para acabar com essa migração. A
solução para essas pessoas é a implantação de UPPs em Niterói. Conclusão:
Niterói pode exportar criminosos para outras cidades, outras cidades não podem
exportar criminosos para Niterói. Realmente
acham que Niterói é uma ilha.
Anteriormente falei que o aumento do efetivo dos
policiais em Niterói por si só não é ruim, realmente acredito nisso, na verdade
o fundamental nesse caso é discutir a qualidade da polícia e não a quantidade,
polícia ruim é sinônimo de necessidade de efetivo grande para dar sensação de
segurança, mas não resolve o problema. Será que os que clamam por mais policiais
querem que essa polícia mal treinada e violenta se relacione com seus filhos na
madrugada quando voltam das boas festas que Niterói sempre teve?
O Rio de Janeiro está passando por uma série de transformações,
a realização dos grandes eventos e a quantidade de capital investido está
trazendo uma série de debates que devem ser feitos de forma séria e sem
demagogia, o alargamento do fosso social será cada vez mais evidente. O Rio de
Janeiro que é o estado do Eike Batista, o 7º homem mais rico do mundo segundo
a Forbes, é o mesmo estado do Morro do Bumba e do lixão do Morro do Céu que
fica em Niterói, quem nunca foi lá deveria ir, você volta com outra visão de
mundo e de cidade.
A solução do problema da violência em Niterói não é estabelecer um cordão sanitário nas
favelas como alguns sugerem, nem as UPPs resolverão isso, é importante debater
a violência como um problema
estrutural de um país concentrador de renda. As UPPs no Rio de Janeiro
funcionam sob a lógica de proteção a uma área restrita da cidade e para atender
aos interesses da especulação imobiliária, uma peça publicitária que se fosse
realmente séria e abrangente teria em seu cálculo o aumento da violência em
outros municípios da região metropolitana. Um projeto de segurança coerente tem
que começar pela remuneração de seus agentes, como sabemos o Rio paga um dos
piores salários do Brasil para seus policiais.
A necessidade de um debate mais profundo e
estratégico não significa que o poder público não possa resolver uma boa parte
do problema já nesse momento. Se Niterói e o estado do Rio de Janeiro tivessem
governo, polícia militar e guarda municipal poderiam trabalhar em cooperação, o
sistema de monitoramento da cidade nunca deixaria de funcionar alimentando de
informações a ação policial e o alarde em torno do déficit de policiais não se
transformaria em ação para holofotes e já teria sido pauta do governo há muito
tempo.
O aumento do efetivo de policiais, que é
necessário, não pode significar a violação de direitos da população das favelas
de Niterói. A questão da segurança não pode servir para instrumentalizar
discurso de ódio aos pobres ou para criar salvadores da pátria em período
eleitoral. Já passou da hora dos moradores de Niterói debaterem segurança
pública como instrumento fundamental de defesa da vida e não só de patrimônio,
quando isso ocorrer uma vida na favela vai valer a mesma coisa que no asfalto.
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